senhor erro

PARTE UM
Alguém já te disse para aprender com os erros? Cada cagada é também uma lição para nos fortalecer. É o que dizem. Foda é que a lição pode vir em grego. O que você quer me ensinar, senhor erro?
Tô aqui, sentado sozinho no bar do Careca. Um copo de chope na mão. Pareço um sapo solitário, alguns diriam independente. O bar não tá cheio, é quinta. Alguns burburinhos, risadas, choros de filhotinhos que querem estar em outro lugar, mas o som mesmo é das gralhas, Valen e Di, cantando no palco.
Uma das bartenders passa pela minha mesa, me dando uma piscadinha sorridente. É uma sapa gostosinha. Tá me querendo? A sigo com o olhar, gosto de como ela anda quase saltitando, até parar atrás do balcão.
O volume abaixa enquanto as gralhas decidem a próxima música. É a oportunidade de ir pedir mais um copo e dar uma moral pra sapinha, como ela chama mesmo? Gostei da camiseta, é daquela banda? Sim, foda esse álbum, né? São cinco pila. Aqui.
Entra um casal de pombos sorridentes, asas dadas e tudo. Eles querem pedir, eu volto pra minha mesa.
Por que decidi sair pra beber sozinho, mesmo? Vim curtir a cantoria das minhas amigas gralhas. Tá, mas por que sozinho? Presto atenção nos outros bichos, são todos casais, alguns com filhotes. Me pergunto como minha vida chegou nesse ponto. Vinte e tantos, sozinho e levemente bêbado. Talvez as gralhas nem queiram conversar comigo depois do show.
Elas começam aquela música sobre o amor da vida, sabe? É o gatilho. Levanto num salto. O bar tá todo torto. Quantas eu tomei? O teto começa a descer. Os bichos me olham estranho. Preciso sair. Em zigue-zague, atravesso a rua. Entro no carro.
Na cabeça uma só imagem: Ani. Perereca filha da puta. Cadê você agora? Dou a partida. Você tá aqui, deitada em mim, gemendo. Puta, que delícia, como você consegue? Vamos de novo? A terceira não entra, boto a quarta. Acelero. Como assim sou muito imaturo? Eu posso mudar! Merda, eu não faço ideia de como ser adulto. O sinal tava vermelho?
Um carro preto. Dois sapos assustadíssimos. Não me olha assim! Estamos cada vez mais próximos. Onde é o freio? Dá tempo de frear? Eu sei que você quer acelerar, entrar em mim. Bate?
Xablau!
Abro os olhos, dentro do carro. A mente parece no lugar. Não tô bêbado, não, meu amigo. O sinal tá fechado, eu tô parado bonitinho, primeiro da fila, a mão no câmbio, um pé no freio, outro na embreagem, preparado pra arrancar. Pera... eu não tinha batido?
Oi, cara! Tem um segundinho? É um sapo mendigo na minha janela. Desculpa, tô sem grana.
O céu anoitece num tom laranja lindo demais. Quê? Pego o celular, seis e quarenta. Estranho... nessa hora eu tava vindo pro Careca.
Olho pra frente. Um dos carros no sentido oposto me chama atenção. Verde-musgo também. Nem fodendo! O cara fez até o mesmo detalhe no para-choque... Porra! Me abaixo, assustado, tentando me esconder. Ele passa por mim. Sou eu!
Que merda tá acontecendo aqui?
Dou a volta na quadra e paro um pouco mais longe desta vez. Consigo me ver de lá, entrando no bar, conversando com aquela bartender. Quer pedir algo? Um pielsen. Tá na mão. Valeu, San. Sandra! Esse é o nome dela. O que tá rolando? Devo chegar mais perto?
Que estranho me ver assim, de longe. Já fiz tudo isso: bebi, vi as gralhas, bebi, falei com a San, bebi... Lembro da música sertaneja, de sair do bar e pegar o carro. Eu bati mesmo? Ani filha da puta. Como tô aqui de novo, inteirinho, são?
Saio do carro, preciso andar. Vou na direção do Careca.
Não faz isso, cara! O mendigo. Você tá aqui pra aprender. O que você falou? Devemos aprender com nossos erros, isso que tô te dizendo. E quem é você, porra? Apenas um amigo sapo, que precisa te mostrar uma parada. Eu não quero ver nada, não, valeu. Que cara estranho!
Dois filas cuidam da entrada do Careca, um pardo e um branco, tinha esquecido desse detalhe. Consigo me ver lá dentro, no meu terceiro ou quarto chope. As gralhas nem começaram a montar os aparelhos de som ainda.
O senhor já comprou a entrada? O cachorro branco fica na minha frente. Já... quer dizer, não. Então, são trinta conto. Quê? Puts, nem sei onde tá minha carteira. O que eu faço? Trinta.
Digo a primeira coisa que vem à mente. Na verdade, eu já comprei, sim, mas já usei. E cadê sua pulseira? Ele me olha torto, desconfiado. O outro fila se aproxima. Pulseira... pulseira... Olho meus braços vazios.
Vaza daqui, malandro, tá achando o quê? Vocês não tão entendendo, caras, eu preciso entrar neste bar! Precisa? Tu precisa é de uma lição!
O fila pardo me bota sobre o ombro com uma facilidade impressionante. Puta que o pariu! Até tento me debater, mas de nada adianta, tô indefeso. Foi assim que você se sentiu? Alguns segundos e sou jogado na lixeira, nos fundos do bar. Talvez esse lugar combine comigo.
Me levanto e vejo o segurança me dar as costas, na intenção de me deixar ali. Filho de uma cadela! Ainda tenho coragem de dizer. O cachorro se vira, o que você falou aí maninho? Sinto o peso da sua pata na minha cara. Estou no outro papel agora. Ele ri, eu sei como é boa a sensação.
E de onde veio o primeiro, vêm mais dois, três, quatro golpes. É muito fácil, mas ele curte. Tem um sorriso no seu focinho, o mesmo sorriso que eu já sorri. Ele não vai parar.
Xablau!
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